terça-feira, 3 de junho de 2014

Releitura do poema Lisbon Revisited de Álvaro de Campos

NÃO: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com lavagens cerebrais!
A única lavagem é a que eu mesma faço.

Não me tragam falsos conceitos!
Não me falem em absurdas obediências!

Tirem-me daqui as falsidades!
Não me estabeleçam limites, não me apodreçam as ideias
Das frases que quero dizer (das frases, Deus meu, dessas frases!)  
Das frases, das ideias, dos sonhos que tenho cultivado!

Quem chamou vocês todos?

Se tem a verdade, guardem-na!

Sou pacífica, mas só mantenho essa calma quando acho necessário.
Fora disso sou indomável, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me perturbem mais, pelo amor de Deus!

Queriam-me igual, uma verdadeira cópia, sem graça e obediente?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa que eu quisesse?
Se eu fosse fraca, fazia-lhes, com maior prazer, a vontade.
Assim, varrida como sou, mantenham distância!
Vão para qualquer lugar sem mim, 
Ou me deixe ir para qualquer lugar sem vocês!
Para que havemos de andar juntos?

Não me deem tapinhas nas costas!
Não gosto que me deem tapinhas nas costas. Quero sinceridade.
Já disse que sou sincera!
Ah, que idiotice, quererem que eu seja cínica!

Ó lua alaranjada  a mesma que deve ter iluminado Sócrates e Platão  
Eterna beleza discutível e admirada!
Ó macias nuvens, brancas e imaginadas,
Pequenos enfeites que no céu aparecem!
Ó mágoa expressada, a mesma de ontem e hoje!
Em nada mais me prejudicais, nem me alegrais.

Deixem-me tranquila! Não aceitarei, pois eu nunca aceito...
E enquanto houver sol e vida, quero permanecer sincera!

Por: Miriã Pinheiro






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